Caminho por campos de morte desolados, onde corpos são empilhados para queima, antes que comecem a contaminar os guerreiros feridos com seus humores pestilentos e fatais. O sol, rubro, começa a desaparecer no poente, e o crocitar dos corvos ressona no crepúsculo.
Não há paisagem mais bela.
Harvorael, o elfo, a despeito de minhas previsões, sobreviveu. Ele está sentado sobre uma pilha de cadáveres, a corda de seu arco partida, suas adagas quebradas. Ele ofega ruidosamente enquanto cuida de suas feridas, delicado e ágil como um gato lambendo seus ferimentos. Durante as semanas que antecederam o ataque ele me tratou com desdém, certamente me considerando um bárbaro selvagem. Mas hoje vejo em seus olhos que ele entende meu mundo. Nos olhamos e nos saudamos como irmãos.
Um jovem chora desconsolado sobre o cadáver de seu pai — um homem que lutou bravamente e morreu pelas mãos de um adversário ímpar.
— Não envergonhe a memória de seu pai! Ele lutou valorosamente e morreu com a dignidade de um guerreiro. Quer maior honra que essa?
— Ele foi meu maior mestre, e de sua carne recebi meu corpo... como poderei viver sem ele agora?
— Com a retidão com que, tenho certeza, ele te ensinou a portar-se, tanto diante da vida como diante da morte.
O jovem se levanta, limpando as vergonhosas lágrimas de seus olhos. Buscando a lâmina chanfrada com que o pai combateu, ele começa a preparar o corpo para seu último adeus.
Ouço Borark, um animal indigno das armas que porta e da posição que ocupa, gritar uma heresia aos seus subordinados:
— Joguem os corpos dos inimigos aos corvos! Esses vermes não merecem a dignidade de uma cova rasa!
Por Blator que não me contive — puxei de minha espada e, num instante, ela estava na garganta de Borark, sedenta de seu sangue sujo.
— É certamente uma lição de paciência que Blator me dá, Borark, colocando-me no mesmo exército que você! Esses homens foram adversários valorosos, que combateram dignamente contra nós e nos fortaleceram. Ou eles são respeitosamente enviados aos seus ancestrais, ou uma destas pilhas contará com mais um corpo!
Borark range os dentes, avaliando se deve ou não enfrentar-me. Jamais o mataria como um cão, de modo que me afasto dois passos, dando-lhe a oportunidade de sacar sua maça d'armas. Suas mãos chegam ao cabo e o seguram com energia, mas seus olhos trazem uma dúvida limpidamente estampada. Todo o campo parece ficar em silêncio, como se prendesse seu fôlego.
— O que nos recomenda fazer então, ó vigário de Blator? — diz o general, as palavras embargadas na garganta pelo seu ressentimento.
— Recomendo que os nosso sejam queimados no alto desta colina e os deles lá em baixo. Honremos a todos, pois cumpriram seus deveres de guerreiros.
— Assim seja!
Os soldados começam a dispor os corpos com suas armas, tanto amigos quanto adversários, os aprontando para a viagem aos campos de Cruine. Borark, que nada entende de honra, afasta-se a passos largos — certamente não foi covardia o que deteve sua mão, mas prudência, pois os homens acreditam que um sacerdote de Blator traz os favores do deus ao exército ao qual se une.
Uma pena. Pois gostaria de me testar contra você, Borark. Mas a providência de Blator é grande, e certamente haverá mais guerras para nos encontrarmos... e talvez você não tenha a sorte de estar do mesmo lado que eu da próxima vez...
Devido a suas características em comum, ao longo da história é possível ver que muitos desses Senhores da Guerra nutriam um respeito muitas vezes incompreensível por seus arquiinimigos, respeitando sempre o general ou líder máximo do exército oposto e muitas vezes fazendo com que não o matassem, mas o tomassem como prisioneiro. Surpreendentemente este não era destratado, mas sim, bem acomodado e dignamente abrigado por seu captor dentre as suas fileiras como um hóspede ilustre. A incompreensível razão por detrás dos fatos era simples: esses grandes generais faziam o que faziam por reconhecer seus antagonistas como seus iguais.
Quando as primeiras guerras cessaram e os primeiros pactos e acordos de paz entre o grande Império Molda e os demais reinos surgiram, esses mestres da guerra puderam baixar suas espadas e aproveitar um curto, mas revigorante, período de paz. E foi nesse tempo que esses ancestrais dos grandes generais de hoje puderam estabelecer um contato mais estreito entre si apesar de suas diferenças ideológicas, políticas e de credo. Dessa interação surgiu a idéia de se criar um Conselho de Guerra onde os maiores generais de todos os povos pudessem estabelecer contato e trocarem suas glórias em tempos de paz.
Os registros da Ordem atestam que a primeira manifestação física desse conselho se deu em meados de 830 DC, no extinto reino da Moldânia, Sua localização não era fixa a cada 50 anos o conselho mudava de local, e pouco a pouco foi deslocado cada vez para as terras ao sudeste ao longo do Denégrio, passando por onde hoje é Filanti e depois Verrogar. Em algum ponto da história do conselho, um grande general, que também era um grande Sacerdote de Blator, disse haver recebido em visão uma mensagem do deus da guerra ordenando que estes erguessem uma magnífica Ordem em sua homenagem. Esse líder máximo que guiou a construção da Ordem e a governou em seus primeiros anos chamava-se Ardor d´Ieron, e ele batizou a congregação de A Ordem dos Destemidos Senhores da Guerra.
A Ordem mantém uma postura extremamente neutra com relação aos reinos, defendendo o brasão de um reino apenas em casos extremos. A ultima vez que algo do gênero ocorreu foi em 1407 DC, quando a Ordem ajudou na libertação os reinos do sul que se encontravam sob o domínio da Seita, episódio que fez crescer muito o número de interessados em se tornar seguidores. Fato que contribuiu para o crescimento e enriquecimento da Ordem.
Essa superioridade nas armas fez com que muitos líderes, de grandes exércitos, solicitassem os treinamentos dos Senhores da Guerra para seus soldados. E isso foi feito em maior e menor escala, com a condição de que todos os soldados treinados se convertessem a Blator e a Ordem. Com isso a Ordem teve uma grande expansão, mas os efeitos não foram os que os líderes da Ordem planejaram. Uma parte dos soldados convertidos só o fizeram para adquirir o tão desejado treinamento e quando consideraram que já possuíam conhecimentos suficientes na arte da guerra, resolveram se retirar da Ordem. Houve então diversos conflitos entre os legítimos Senhores da Guerra e seus dissidentes, numa tentativa de aplicar a punição aos traidores. O resultado foi um banho de sangue em ambos os lados. Os grupos dissidentes da Ordem se espalharam pelo Mundo Conhecido e muito do conhecimento veio a ser adotado, tempos depois, pelas Academias de Combate. Os Senhores da Guerra, após este triste episódio, aumentaram as exigências para uma ordenação, fazendo que a entrada para a ordem torna-se uma das mais complexas e rigorosas entre todas as Ordens.
A heterogeneidade de nacionalidades é um traço marcante da Ordem desde o seu tempo de criação, e tem sido sua grande balança de equilíbrio no que diz respeito à Ordem não tomar o partido de algum reino específico. A Ordem é composta de muitos dos melhores combatentes do todo o Mundo Conhecido, assim foi desde o começo e assim será sempre até o fim. Muitos dos grandes líderes, vários dos maiores generais, ou seja, uma verdadeira elite forma suas fileiras. Imagine que em uma reunião Magna da Ordem estejam presentes muitos dos grandes heróis de Verrogar, Filanti, Levânia, Marana, Ludgrim, Dantsem, Acordo... Todos reunidos em torno de sua fé, momentaneamente acima de seu patriotismo, se respeitando como iguais da mesma maneira que seus ancestrais o faziam até mesmo no campo de batalha. Para estes a guerra é um fato e não uma tragédia, portanto, não há motivo para desespero ou barbárie.
Não te furtarás à morte digna de um guerreiro: A morte é uma inegável realidade para todo soldado, e todos sabem que ela vem mais cedo ou mais tarde. Para esses devotos uma morte em combate é uma morte digna e honrosa e deve ser aceita como tal. Não que estes se oponham à captura, de forma alguma, ser capturado não é uma vergonha mortal, pois um grande general sabe reconhecer o valor de seu oponente e até sua superioridade, mas estes procurarão de todas as formas evitar humilhações e mortes indignas.
Honrará seus irmãos de Ordem ainda que as circunstâncias lhes coloquem em campos opostos: Não raro quando dois reinos se enfrentam seus generais máximos sejam irmãos de Ordem, nem sempre a captura é possível e um sem número de vezes um Senhor da Guerra já caiu perante outro. Mas sempre que isso acontece o vencedor deve honrar os restos mortais de seus irmãos da maneira mais digna possível a um soldado, seja entregando seus restos para os seus, seja proferindo seu digno sepultamento. Ou ainda quando ferido mortalmente o derrotado se vale do cumprimento da Ordem, – Por Blator, na Força e na Guerra – que distingue todos os membros mesmo que não se conheçam. Ao pronunciar estas palavras, o derrotado pede para que, ao invés de sofrer agonizando, tenha uma morte limpa e rápida pelas mãos de seu algoz. Qualquer medida deliberadamente desrespeitosa para com um igual pode ser severamente punida para aquele que violar o protocolo de guerra.
Devotarás parte de tuas conquistas para a grandeza da Ordem: Para tudo quanto for conquistado e adquirido por seus devotos, uma parte deve sempre ser ofertada a Ordem como uma forma de agradecimento a Blator pela conquista e também como forma de agradecimento por toda a educação militar que a instituição lhe proveu. Esse voto é levado muito a sério por todos os Senhores da Guerra.
“Eu juro por meus ancestrais lealdade eterna a Blator e à Ordem dos destemidos Senhores da Guerra;
Juro que levarei a fé em Blator através de meus atos por onde quer que eu passe;
Juro respeitar e honrar meus superiores;
Juro que abraçarei a morte com a dignidade de um guerreiro;
Juro que farei guerra a todos os inimigos da Ordem e de Blator, sempre que se faça necessário;
Juro que encararei a derrota por um superior como uma grande lição, e que lhe devotarei todo o meu respeito;
Juro que honrarei todos os meus iguais sejam eles membros da Ordem ou não;
Juro honrar todos os meus irmãos que caírem diante de mim ou ao meu lado;
Juro nunca revelar os segredos da Ordem, a traição é indigna de um grande guerreiro;
Juro que sempre que possível serei implacável, porém, clemente para com meus inimigos;
Juro que sempre combaterei com toda a minha astúcia e toda a minha força;
Juro que se eu não tiver forças para manter meu juramento, que eu seja justiçado pelos meus irmãos”.