Dedilho com suavidade minha harpa e a melodia soa, clara e sonora. Sou Dúgal Pássaro-élfico, o sangue em minhas veias tão mestiço que já não sei donde venho. Estou em campos de matança e tristeza, onde as cinzas dos mortos se elevam do solo estéril, sopradas com violência contra meu rosto. Estou aqui para compor uma elegia, mas tudo começou com uma ode à luxúria.
— Marna, fogosa e feroz.
Ainda me vejo, deitado entre lençóis, observando seu corpo nu e alvo, suas mãos aparentemente delicadas afiando o aço de sua lâmina... Marna, a sacerdotisa de Crezir. Ela possuía tudo que eu apreciava em uma mulher: uma amante selvagem, insaciável e absolutamente invulnerável às sutilezas do amor, embora se entregasse prazerosamente aos caprichos da paixão. Seus músculos rijos se movimentavam com elegância sob sua pele delicada, e a crueza de sua beleza sem caprichos me lembrou uma serpente (e eu as adoro, por serem lindas e letais). Busquei minha harpa e toquei alguns acordes, quando Marna cessou seu trabalho hipnótico e sedutor, me perguntando:
"O que está fazendo?"
"Vou cantar tua beleza", respondi satisfeito, esperando que a lisonja a fizesse retomar seu trabalho.”
"Não, não agora... agora não estou bela."
"Quando então, minha senhora?"
"Amanhã, Dúgal. Amanhã me verá mais bela que jamais serei entre estes lençóis. Tenha paciência, meu jovem amante".
E eu tive. Seguimos para os campos a oeste de Ender, quase nas fronteiras de Conti. Ao que parece, uma tribo nômade de orcos atacava as vilas do local, vilas estas que contavam com uma guarda fraca, com poucos guerreiros de carreira e muitos trabalhadores voluntários. Quase que por acidente, um grupo de batedores encontrou o acampamento dos salteadores, e alguém chamou Marna.
Ela reuniu dois pelotões, cada um com quinze homens, guerreiros experimentados que tinham em comum um único detalhe: o gosto por matar. Eles obedeciam Marna em cada pequena vontade, e a seguiram em marcha até o acampamento dos orcos. Lá chegando, encontramos a guarda local, esfarrapada e mal armada. "Qual a estratégia, minha senhora?" — perguntou o pobre capitão, um homem cansado com um olhar de súplica nos olhos. Marna apenas sorriu... e partiu em carga contra o acampamento. Seus homens foram atrás, e também não exibiam qualquer preocupação em manter o elemento surpresa.
Marna usou exaustivamente seus poderes, as dádivas de sua deusa sedenta de sangue, e hordas de orcos tombavam, vítimas do enorme machado de Crezir. Não havia mais beleza em seus movimentos — seu corpo, seu ginete, tudo estava banhado de sangue... sua arma ceifava vidas impiedosamente, enquanto sua montaria pisava os moribundos caídos. E Marna ria. Insanamente, os olhos em chamas, os dentes brancos destacados contra o rubor negro de sangue que a cobria.
Tudo cessou muito rapidamente — mortos todos os orcos machos, restaram apenas as fêmeas e as crias, protegidas por poucos soldados com lanças. Marna os matou avidamente, como avidamente me amava. Ela virou-se para mim, gritando meu nome, e tive medo.
"Vem, Dúgal! Venha e cante minha beleza, porque jamais serei mais bela que agora!" — e dizendo isso, pegou de um archote e queimou as choupanas. Eu podia ouvir os gritos das fêmeas tentando proteger suas crias, em vão. Os que fugiam do fogo morriam pelo aço.
"Quero calcar aos meus pés as cinzas de meus inimigos e de sua prole! Que seu legado jamais se erga novamente contra mim ou contra a deusa! Toque Dúgal! Toque, porque este coral é para tua música!"
"São apenas orcos", eu ficava repetindo para mim mesmo, mas os gritos das crianças dos Orcos eram iguais aos gritos de quaisquer outras crianças, humanas, elfas ou anãs.
Marna me beijou ao fim de tudo, um beijo cheio de paixão, mas com um fedor de sangue que me enojou. Afastei-me, atônito e chocado. Ela sorriu. "Existem dois tipos de homens para mim, Dúgal: os úteis e os inúteis. Estes podem ser amados, pois não servem para nada mais, e aqueles são incenso para o altar de Crezir, e sua utilidade reside em poderem ser mortos. Sorte sua, meu pássaro canoro, que você não tenha qualquer utilidade para mim."
Ainda sinto o gosto de sangue que seus lábios deixaram nos meus. Ela partiu com seu exército, deixando atrás de si um enorme campo de morte... a não ser por mim.
"Eles eram apenas orcos", repito para mim mesmo, sem conseguir concatenar pensamentos que me rendam uma letra. Os gritos ainda ressoam nos ventos, gritos quase humanos...
A elegia não é para estes pobres selvagens... é para minha vergonha...
Alguns textos recuperados pela Ordem retratam algumas dessas passagens: “Ele será fértil como a terra que circunda um rio caudaloso, dará quantos descendentes lhe forem colhidos de sua fonte, com quantas mulheres se deitar, quantas vezes se deitar. Ele será forte como a rocha,e seus descendentes lhe herdarão a força, o vigor, a beleza e a impetuosidade de espírito. Ele será chamado Draku e exércitos tremerão a sua passagem. Sua vida será marcada pela guerra, e o rastro de corpos sempre denunciará seu caminho, milhares cairão diante de seu julgo até que ele retorne a mim. Isso Eu vos digo e assim será feito.”
Eis que duas décadas depois essa criança havia se tornado um colosso com mais de dois metros de altura, uma vasta cabeleira vermelha até a cintura e um par de intrigantes e penetrantes olhos cor violeta. Há esse tempo ele já era o líder da tribo e lutava para restaurar a glória de seus antepassados. Seus inimigos o chamavam de “O Gigante de fogo” ou até mesmo “O demônio de Fogo”, quando os seus se aperceberam que Draku era uma palavra antiga para dragão, passaram a chamar-lhe “O Dragão de Fogo” e, mas tarde, “O Dragão Vermelho”. Quando a última das tribos inimigas caiu e este ainda se encontrava em meio ao campo de batalha completamente coberto de sangue e ferimentos, a deusa se aproximou, cuidou de seus ferimentos e disse: “Cumpriste tua missão aqui. Parte imediatamente e leva tudo que te for necessário, caminha para o norte até o limite de tuas forças e quando não mais puder dar um passo sequer descansa o quanto te seja necessário. Depois ergue em minha glória àquela que sobreviverá as eras, a mais esplendorosa de todas as Ordens, pois que vocês serão como que Dragões entre mortais e só deverão obediência a Mim”. De fato Draku caminhou até o limite máximo de suas forças e quando não mais agüentou dar um passo, descansou ao pé de uma cadeia de montanhas, aonde mais tarde veio a edificar a Ordem que deveria sobreviver a passagem do tempo. Uma grande fortaleza foi erguida bem no topo da cordilheira, onde só os mais fortes sobreviveriam.
Draku foi o primeiro grande mestre da Ordem dos Dragões Vermelhos e responsável por toda a estruturação de seus votos. Ele estabeleceu um forte laço entre os ensinamentos de Crezir e os preceitos da Ordem.
Com o surgimento da Seita Bankdi os seguidores e membros da Ordem dos Dragões Vermelhos foram tentados a ingressar nas fileiras da Seita, devido a seu alto grau de instrução militar e a fúria com que lutavam. Mas a Ordem possuía um objetivo maior e era intimamente ligada a deusa Crezir, de modo que uma aliança com demonistas tornava-se impossível. A insistência dos lideres bankdis acabou por ter um efeito inverso e a Ordem se voltou contra a Seita assim que percebeu suas reais intenções, sendo uma grande opositora a ligação entre os bankdis e a corte verrogari. Assim, a Ordem dos Dragões Vermelhos declarou guerra aos demonistas e com intuito de preservar seu principal refugio, tornou sua localização tão obscura quanto pode.
No entanto, embora a fortaleza principal da Ordem encontre-se nos Montes Crassius, algumas outras congregações já foram formadas em outros lugares de Tagmar. Estas respondem diretamente ao “Ninhos dos Dragões”, mas tem uma relativa independência ao que se refere a maior parte das suas ações, inclusive ordenando novos membros. No entanto não se devem confundir as congregações da Ordem com os demais templos de Crezir, e principalmente por que elas não são muitas e se encontram normalmente apenas nas capitais dos reinos mais belicosos e excepcionalmente em Saravossa, onde todas as ordens mantêm uma congregação.
Não te amedrontará diante da morte: Esses fanáticos são conhecidos por encontrarem suas mortes bradando seus gritos de guerra e golpeando furiosamente seus algozes.
Não atacarás um irmão de Ordem: Os conflitos internos são comuns, porém, a imposição da pena capital cabe somente ao Grão Mestre, ficando ao julgo dos superiores imediatos somente em caso de necessidade de execução imediata.
Guardarás o quinhão de tua matança para a Ordem: Tudo quanto for dado, pilhado e ou saqueado pelo Filho do Dragão um quinto pertencerá à Ordem, porém tudo quanto a Ordem forneça para o uso pessoal e ou presenteie ao sacerdote, é do sacerdote.
“Eu juro pelo meu sangue lealdade eterna a Crezir e à Ordem dos Dragões Vermelhos;
Juro que imporei a fé na deusa pelo fio da minha espada por onde quer que eu passe;
Juro jamais questionar meus superiores, a insubordinação é passível de pena de morte;
Juro que abraçarei a morte com todas as minhas forças;
Juro que manterei todos os meus votos sob quais quer circunstâncias;
Juro que preferirei mil vezes a morte à derrota ou a desonra de ser feito prisioneiro;
Juro que destruirei todos aqueles que se colocarem no caminho Ordem ou da Deusa;
Juro que a combate será para mim a aspiração máxima;
Juro considerar como meus irmãos de sangue todos Os Dragões Vermelhos de Fogo;
Juro nunca revelar os segredos da Ordem, a traição é passível dos tormentos eternos;
Juro que jamais terei clemência para com um inimigo;
Juro que sempre combaterei com toda a minha fúria, e toda a minha força;
Juro que se eu não tiver forças para manter meu juramento, que eu seja vítima da fúria eterna de Crezir.”