O mensageiro foi encaminhado diretamente à sala do conselho da Ordem, amparado de perto por duas sentinelas que mantinham o homem de pé enquanto caminhavam pelos então ainda escuros corredores. Certamente o homem não teve nem tempo de maravilhar-se com os entalhes feitos nas paredes por mãos habilidosas, entalhes de guerra que pareciam prever a causa da presença daquele homem trôpego. A conversa se deu rapidamente e a portas fechadas, quem ouviu o homem foi o nosso Marechal, Vlader:
- Senhor! Estamos sendo invadidos pelo leste! Um exército imenso se abate sobre nossas terras sem qualquer aviso prévio. As sentinelas só os perceberam quando já era tarde demais… Eles estão varrendo todas as vilas no caminho… Os outros mensageiros foram abatidos por batedores experientes, eu mesmo só sobrevivi porque me desviei do meu caminho…
- Quantos são?
- Não sei ao certo senhor! Mas são mais de vinte mil, Senhor! Isso com toda certeza… Se eles não forem impedidos de continuar, em dois dias estarão sobre uma de nossas grandes cidades…
- Eu comando seiscentos bons homens nesse Templo de minha Ordem, e ainda que eu tenha total confiança na capacidade de meus homens, não pode haver vitória sobre tamanha diferença de forças…
- Mas senhor! Se os nossos não forem avisados da ameaça a tempo de aprontar uma resistência, seremos facilmente massacrados… Milhares morrerão… Centenas de milhares…
- De quando tempo você precisa?
- De três dias e dois cavalos descansados, o meu está a um passo da morte…
- Então três dias você terá! Pegue dois cavalos e leve sua mensagem, e que Crisagom esteja com você!
- Soem os sinos! Há cidadãos em perigo necessitando de nossa proteção! Às armas!
Um dia inteiro de viagem separava nossas forças, os homens marchavam com uma resignação inabalável contra a morte certa, nada poderia abalar o moral das tropas, pois nada podia ser mais honrado do que lutar pelo que era certo. Não direi aqui que não havia medo ou pesar em alguns corações, ou talvez até mesmo em todos. Eu não sou homem de mentiras e não macularei essas linhas com uma… A ciência da gravidade da situação fazia com que os homens marchassem em completo silêncio… Mas esse era o nosso dever, e nós o cumpriríamos até o fim.
Nós montamos nosso acampamento às costas de um vau por ordem do Marechal. Vlader sabia que o confronto se daria na manhã seguinte e que o vau seria uma boa defesa natural, obrigaria que eles avançassem em pequenos contingentes, o que tiraria um pouco da vantagem numérica dos atacantes. A noite passou fria e igualmente silenciosa, nem uma palavra foi dita em vão, e não fosse pelas luzes e alguma movimentação, nosso acampamento pareceria um cemitério repleto de estátuas de guerreiros regiamente armados. Ninguém dormiu essa noite…
A alvorada veio como que um chamado para a guerra, e no mesmo silêncio respeitoso os homens começaram a se posicionar e aguardar as ordens do nosso superior. Detalhes do embate eu não mencionarei aqui, não há necessidade, basta dizer que nos posicionamos estrategicamente bem, graças a Vlader, e lutamos como leões durante todo o dia. Ao fim do dia, somente o cansaço, as dores e o gosto do nosso próprio sangue nos lembrava que estávamos ainda vivos e tínhamos um dever a cumprir. Por três dias lutamos bravamente, e por Crisagom, posso jurar que para cada um de nós que tombava, dez deles caiam também…
No alvorecer do quarto dia nós não éramos duzentos, pouco mais de uma centena talvez, cansados, feridos, exaustos… Foi nesse dia que eu recebi a ordem mais dura da minha vida. Vlader me ordenou que tomasse dois de nossos cavalos que estivessem em melhores condições e partisse levando informações mais precisas à cerca do inimigo: número, armamentos, estratégia…
Quando deixei nosso acampamento o ruído da batalha já recomeçava pela quarta vez, e no meu íntimo eu lamentei por ter que deixar meus irmãos de armas ali entregues a seu próprio destino… não pude olhar para trás, não tive forças para isso…
A mensagem de Vlader chegou intacta ás mãos certas, um inimigo já alquebrado e assustado pelas suas baixas encontrou um exército de defesa preparado e muralhas sólidas a sua frente. A sorte mudou de lado graças ao sangue e valor dos meus irmãos… seiscentos morreram para que milhares pudessem viver. A batalha foi vencida sem maiores prejuízos para nós, os poucos inimigos que sobreviveram fugiram para não mais voltar… e não há um só dia que eu não lamente não ter podido morrer junto aos meus irmãos nos vaus do leste… Com essas linhas espero ao menos honrar a memória daqueles que se bravamente sacrificaram-se para que nós pudéssemos vencer, pois eles cumpriram seu dever até o fim… até a morte.
- Adam “O bravo”, Cavaleiro da Justiça de Crisagom.
Para todos esses devotos honrados, leais, verdadeiros e incorruptíveis que carregam arduamente essa bandeira: Honra e Força.
A história da Ordem encontra-se intimamente ligada a fundação do reino de Azanti, em 990, D.C. Conta à história sobre uma nobre família, nascida dos nobres preceitos de seus antepassados, e que tinha seu centro de poder ao norte do reino de Filanti. Ao longo da criação do reino esses nobres ergueram uma Marca em honra e glória à Crisagom, esta foi chamada: “Marca de Supramati”. Os membros dessa augusta família sempre estiveram entre os mais ferrenhos devotos do Deus e ao longo da história um grande número de seus filhos e filhas deram suas vidas pela causa. Dentre eles havia um de grande firmeza e convicção, e Crisagom abençoou-o com uma missão sagrada. Consta nos textos da Ordem que em uma bela manhã de verão, uma radiante criatura luminosa apareceu ao então primogênito da Casa de Supramati e disse:
- Venho em nome de seu Deus e trago-lhe uma ordem Dele.
O homem curvando-se até quase tocar o chão disse com voz emocionada, mas firme.
- Dize-me, oh Enviado dos céus, o que me ordena o meu Senhor?
- Acerca-te de seu palafrém, cavalga até o alto daquela montanha que vai ao horizonte, e prepara-te que lá encontrarás teu destino. Parte imediatamente.
Mais que depressa o homem selou sua montaria e partiu até onde lhe havia indicado o Enviado. Lá chegando, pode divisar ao longe uma figura humana que crescia a cada instante na paisagem. Quando a distância tornou-se relativamente pequena este pode divisar nitidamente a magnífica figura de um cavaleiro, envergando um belíssimo arnês acompanhado de uma deslumbrante e esvoaçante capa azul, trazendo a mão seu elmo e olhando para o horizonte com cenho carregado ao lado de um imponente e alvo alazão. Este não desviando seu olhar do horizonte, disse com voz firme de quem está acostumado a dar ordens, uma voz ao mesmo tempo autoritária e cativante:
- Meu filho, o futuro de seu reino jaz no turbilhão da incerteza, o mal ameaça macular a integridade dos homens de bem.
Estupefato com o timbre da voz que saia da boca do cavaleiro e ecoava no topo dos montes, e com a revelação, nada conseguiu falar e a custo conteve o frêmito que lhe irrompia do corpo.
- Mas Eu não posso, não devo e não vou permitir que tais virtudes caiam mortas e sejam perdidas nas trevas do esquecimento.
O cavaleiro apertou os olhos como a apurar a visão e seus olhos demonstraram uma determinação até então oculta:
- Cavalga para o norte, pois quando as trevas se abaterem por essas paragens lá residirá o sustentáculo da resistência às forças do mal que ameaçam perverter esse mundo. Segue sempre em frente e não perca nunca de vista essa cadeia de montanhas que vês no horizonte e que estará sempre a tua direita como uma sentinela a indicar-lhe o caminho. Atravessarás os campos de Maira e romperá o véu de Ganis que te levará ao coração das montanhas dos Filhos de Blator, fará teu caminho por entre a escuridão e por fim encontrarás a luz, ali edifica a Mim uma magnífica Ordem de Cavaleiros da Justiça e faze com que esses Paladinos espalhem por todo o mundo essas virtudes que te guiam.
Dito isso o cavaleiro olhou bem nos olhos o estupefato humano que se posicionara a seu lado, bateu a mão direita fechada sobre o coração e pronunciou as palavras: “Honra e Força”, montou então seu palafrém e saiu a cavalgar em direção ao horizonte.
De fato foi exatamente isso que o homem fez, preparou-se para uma longa viagem e cavalgou até o extremo norte de seu reino até finalmente encontrar o lugar indicado por seu Deus. Valendo-se de sua influência e recursos, ajuntou um grande número de fiéis e, ocupando-se em civilizar a terra ainda selvagem, deu início a construção da Ordem com suas próprias mãos. O nome do grande homem responsável pela realização desse projeto era Magnus Supramati, e uma estátua de bronze em sua homenagem se faz presente até os dias de hoje no pátio principal da Ordem. Quando terminada a obra cerca de uma década e meia depois, todos os responsáveis pela sua construção foram investidos e tornaram-se os primeiros Cavaleiros da Justiça de Crisagom. Mas a justiça ainda deveria ser empregada em muitos outros lugares e ele precisaria de ajuda, ajuda comprometida e confiável, e esta viria de perto, de seu próprio sangue. Um membro de sua família há muito havia se estabelecido como grande guerreiro em Filanti, mas as injustiças lá cometidas fizeram-no abdicar de seu posto. Foi então que Magnus Supramati convocou seu sobrinho-neto, Aza, que se incorporou às fileiras da ordem com muitos de seus melhores homens, todos antigos membros da antiga Mesa de Prata de Filanti. Embora muitos cultuassem outros deuses, acabaram por se converterem à fé na justiça e na verdade. Nascia assim, a primeira grande força da Ordem de Crisagom: os paladinos da justiça.
De fato para chegar-se a Ordem tem-se apenas um caminho fortemente guardado por seus membros. Para tal deve-se adentrar o “lago proibido”, lago originado de uma imensa cachoeira que cai da cordilheira. Por detrás da queda d’água há uma caverna natural, grande suficiente para passarem oito homens montados lado a lado. Um caminho natural dentro da rocha com apenas uma direção é fortemente guardado por inúmeras sentinelas que se posicionam ao longo dos três portais de acesso. Todo o trajeto pode ser transposto em aproximadamente meia uma hora em velocidade de escalada.. Vencido esse caminho desemboca-se em um grande vale compreendido entre as montanhas, que é exatamente onde a Ordem foi edificada.
O crescimento da ordem foi tão lento como o crescimento do Reino de Azanti, e varias congregações se espalharam pelo mundo conhecido. Em 1224 D.C. com a formação da Aliança dos Povos, os dirigentes da Ordem decidiram mudar a sede da Ordem para capital Zanta. Na fervorosa capital foi construído então o mais belo de todos os templos de Crisagom, que iria abrigar a sustentar liberdade e justiça por quase 200 anos. Mas durante a Batalha dos Mil Mártires, em 1403 D.C., a Ordem sofreu milhares de baixas, perdendo inclusive seus líderes, o que a pôs em uma situação frágil. Embora pouco tempo depois a Seita Bankdi tenha sido derrotada, havia uma grande instabilidade política em Azanti, seu reino-sede, e muitos demonistas mantinham ainda pequenas resistências isoladas. Sem líder, com poucos membros e nenhuma estrutura, a Ordem de Crisagom se recolheu a sua sede original e começou um lento processo de recuperação, se reerguendo com todo seu esplendor anos mais tarde. Os novos líderes da Ordem chegaram a conclusão que essa recuperação só foi possível devido ao pouquíssimo conhecimento de sua localização, então decidiram – através de um grande conselho que abordou outros temas importantes – que a localização da ordem seria mantida em absoluto segredo, tornando-se assim, extremamente secreta.
A Ordem hoje faz um esforço heróico para tentar propagar ao máximo esses valores que se perdem mais e mais no coração dos homens a cada dia que se finda. Em especial a Ordem vê com grande tristeza a queda moral do reino de Azanti, e luta com todas as suas forças para reverter esse quadro desolador. Aonde quer que se possa levar as máximas de honra, igualdade e justiça, certamente lá estará um deles.
Os Paladinos envergam belíssimas couraças prateadas e grandes escudos com o símbolo da Ordem. A placa peitoral da couraça também ostenta o imponente símbolo da Ordem. Um elmo fechado também prateado encimado por uma “crina” feita de rabo de cavalo, pode ser visto em suas cabeças, dando aos Paladinos um ar ainda mais imponente e nobre. Completando a indumentária, uma belíssima capa azul anil anexa à couraça por presilhas prateadas. Alguns ainda utilizam-se de medalhões e toda sorte de adereços religiosos ou bélicos.
Todas as armas são permitidas, mas por eles normalmente travarem combate a cavalo a predileção por lanças, leves e pesadas, é um fato inquestionável. A grande arma da Ordem, porém são seus martelos sagrados, chamados de Martelos de Luz. Esses martelos especialmente produzidos pela Ordem são construídos de forma a torná-los Martelos de Guerra pesados. Eles são confeccionados especificamente para seus donos, o que faz deles armas personalizadas, e de fato eles são maiores e mais pesados que os Martelos de Guerra comuns, e ainda dotados de uma aerodinâmica especial que faz deles uma arma de grande poder marcial (igual de uma Maça), podendo ainda ser usados com uma ou duas mãos. Os Martelos de Luz dos Paladinos mais antigos são itens mágicos poderosíssimos, diz-se inclusive que a utilização destes por alguém que não tenha adquirido o direito divino de fazê-lo pode levar a um desfecho terrível.
Nunca revelarás os segredos de nossa Ordem: Esse voto é levado muito a sério dentre os Paladinos, suas palavras não voltam atrás e eles certamente levariam seus juramentos até as últimas conseqüências. E principalmente porque no momento que vive o mundo de Tagmar a revelação da localização da sede seria um convite à destruição por parte de seus inimigos. A pesar de não se utilizarem de nenhum meio místico para um bloqueio mais profundo desses segredos, sua inabalável força de vontade por si só representa um ótimo adversário para aqueles que desejam extrair-lhes qualquer verdade sobre a Ordem.
Combaterás a todos aqueles que forem avessos aos preceitos da Ordem e lhes dará justo julgamento: Os Paladinos são conhecidos por não serem simplesmente algozes ou executores de seus inimigos, um traço forte desses devotos é a justiça de seus julgamentos. A completa ausência da mentira na mente destes faz com que eles sejam dificilmente enganados o que os faz ótimos juízes. Esses também não raro aceitam a rendição de seus antagonistas como suficiente, esse ato é admirável em um mundo onde qualquer afronta resulta em morte, e é muito bem vista por todos aqueles que nutrem respeito à vida, inclusive o clero de Selimom, que se felicita com a clemência destes paladinos.
Guardarás fervorosamente todos os princípios e preceitos de nossa Ordem: Para os Paladinos os preceitos: honra, lealdade, verdade, justiça, igualdade e fraternidade; são à base de sustentação da Ordem e de sua maneira de vida. Nada menos pode ser esperado desses devotos que guardarem fervorosamente esses votos tão importantes para seu Deus.
“Eu [nome completo] juro solenemente diante de todos os presentes:
Que defenderei até a morte qualquer pessoa ou objeto pertencente à Ordem ou sob a minha proteção;
Que trabalharei incansavelmente para que a honra e a justiça voltem a serem valores essenciais;
Que propagarei a fé em Crisagom e em nossos sagrados preceitos por onde quer que eu passe;
Que considerarei todos os Paladinos e os sinceros devotos de Crisagom como meus irmãos;
Que levarei a justiça a todos aqueles que se colocarem no caminho da Ordem ou de meu Deus;
Que realizarei de bom grado qualquer tarefa digna e justa que me for solicitada;
Que serei sempre um exemplo vivo de tudo aquilo que eu venha a pregar;
Que defenderei todos os injustiçados e os que não puderem se defender;
Que guardarei e zelarei sempre pela honra, lealdade e justiça;
Que guardarei fervorosamente todos os meus votos;
Que nunca revelarei os segredos da Ordem;
Que da minha boca só se ouvirá a verdade;
Que jamais faltarei com a palavra dada;
Que preferirei a morte à desonra;
Por meu Deus e por minha honra.”