A criatura apóia-se contra a parede, o corpo trespassado pela lança que arremessei. Ele não sangra, ele não ofega. Mas implora; implora por sua semivida ímpia com palavras doces e elogiosas, tentando me confundir. Mal as ouço, pois são para mim como mel misturado a veneno. Contudo, devo dar-lhe uma última chance de redenção.
Salto de meu corcel e desembainho minha espada, aproximando-me de minha presa.
— Ouça-me! Posso torná-lo imortal! S-seria... seria formidável com suas habilidades de guerreiro associadas à imortalidade! E...e riquezas! Posso torná-lo mais próspero que um conde...
— Cala-te.
Minha lâmina toca levemente sua garganta. Sinto-a clamando, faminta... sedenta por terminar com aquele sacrilégio em forma humana.
— Ao menos me deixe ver o rosto de meu algoz!
— Não terá a oportunidade de fitar meus olhos, criatura, se é o que quer. Este é o rosto que terá de mim, não como um homem — pequeno e mísero — mas como um Vingador Negro, mensageiro de Cruine, a quem desprezaste e zombaste até hoje. Aquiete, pois, sua covardia e ouça as palavras da redenção:
"— Foste criado pelos deuses como devia ser e nasceste de um ventre mortal para viver uma vida plena de significado. Quando este período findasse, retornarias ao seio dos teus criadores, onde repousarias por uma noite sem sonhos, para então, se te fosses permitido, retornardes ao mundo. Mas isso não te foi o bastante. Decidiste prolongar a vigília, ferindo a ordem natural do ciclo trazendo vergonha e ira sobre ti. Que triste ignorância, temer o ocaso. Vives em noite perpétua, como um parasita, um canibal. Não foste criado para este propósito. Seus pais, seus avós e todos os seus ancestrais aguardam por ti nos campos além da noite...."
A criatura exibe um sorriso de escárnio, pois já não tem mais motivos para esconder seu cinismo:
— Palavras de consolo dadas por um assassino... hipócrita! Se pudesse ver seu rosto, reconheceria o ódio em seus olhos... quem matei? Um pai? Um irmão?
— Que Cruine tenha misericórdia de você, que nada entende. Todos são meus pais e meus irmãos... mesmo você. Ódio? Não há ódio em meu ofício, os deuses não se sentem satisfeitos em ver no que se tornou... predador de sua espécie. Fui enviado por Cruine para libertá-lo desta fome infindável, insaciável... para livrá-lo destas noites insones e sem repouso, intermináveis. Eu o enviarei de volta para os campos do Ceifador, que também é o Semeador. Ninguém finda realmente... se até os ventos prosseguem sempre, porque será apenas você aquele que acabará?
— Bravatas! Bobagens de um culto de fanáticos, cujas idéias só não são mais restritas que suas breves vidas!
Uma pena. Observo a criatura debater-se, lutando inutilmente para livrar-se da prisão de minha lança, abençoada por nosso Grão-Mestre justamente para este fim. Há muito a fazer, e meu tempo é curto. Posso repousar descansadamente minha consciência sabendo que cumpri meu dever, como Vingador e Sacerdote.
— Pois rezarei para que tenha mais sabedoria na outra vida, onde encontrará maior severidade que a minha.
Não houve tempo para mais súplicas ou ameaças — um silvo breve e a noite é subitamente despertada pelo retinir do aço de minha espada contra a parede das ruínas que serviam de lar a esta alma desencaminhada. O baque de sua cabeça batendo no solo é abafado pelo revoar dos corvos, que procuram refúgio menos barulhento.
Um rápido ritual... uma bênção breve e sigo meu caminho, deixando para traz uma fogueira que acrescenta um pouco mais de luz a uma noite toda feita de escuridão...
Para aqueles que compreendem esse desígnio divino, a vida passa a ter um gosto senão mais doce, pelo menos muito menos amargo. Não que a compreensão dessa verdade faça a vida dessas pessoas materialmente mais fácil, mas dá a elas uma certeza até certo ponto preciosa. A certeza de que a morte não é o fim de tudo, muito pelo contrário, de que é apenas mais uma etapa da viagem da vida, mais um caminho que precisa ser trilhado no eterno caminho da perfeição. Visto por esse ângulo, enfrentar a vida torna-se uma tarefa infinitamente mais fácil. Para esses devotos, que olham a morte nos olhos, aceitam o que vêem e fazem desse saber a linha mestra de suas vidas, a própria vida torna-se menos assustadora, menos cruel, menos invencível. A simples consciência da sua não-mortalidade derruba a maioria das barreiras instransponíveis da vida, tira dos seres a sua maior fragilidade e mostra-lhes a maior verdade de todas: que eles são Imortais.
A imortalidade passa a ser uma realidade na vida desses seres “transcendentais”, passa a não ser vista apenas como um dom ou uma dádiva, mas acima de tudo como um estado de espírito. A simples certeza de o que você fez, faz, ou é, não será passageiro, dá a esses seres uma força sobrenatural e à vida um colorido todo especial. Eles têm a certeza de que tudo quanto eles fizerem ecoará por toda eternidade. Contrariando a primeira impressão que acredita que a vida vista pelos olhos da morte é passada em preto e branco, eles descobrem que a vida além da morte não é mórbida, mas bela, com um propósito definido.
Conta a lenda que em algum ponto no sopé da Cordilheira da Navalha morava uma milenar criatura, que buscava paz e redenção para sua mente perturbada e para seus atos pouco louváveis através dos séculos. Algumas poucas pessoas ainda se lembravam da presença soturna dessa criatura em seus contos de terror nas aldeias mais próximas, mas mesmo os mais corajosos não se atreviam a ir até ela, pois se dizia que ela possuía poderes terríveis capaz de transformar homens robustos em criaturas ignóbeis. Eles se referiam a ela como a Bruxa, mas para aqueles que a conheceram no início de sua jornada ela tinha um outro nome, Galana. Eis que um dia, esta, surpresa, percebe a presença de um viajante que passava próximo a sua cabana como que a se dirigir em direção a ela. Era possivelmente um homem, pelo aspecto físico, e aparentemente velho pelo curvar das costas, mas, em verdade, o que quer que fosse, o ser estava completamente oculto por um longo manto negro e portava à mão, que fosse visível, apenas um cajado. Era cair da noite e ela preparava-se para enxotar seu indesejável visitante quando uma voz gutural fez tremer as montanhas em volta:
- Não ouse levantar um só dedo contra seu senhor, criatura abominável!
Trêmula e atônita ao ouvir aquela voz que pareceu ler seus pensamentos, só pode pensar que fora finalmente encontrada por seus perseguidores.
- Não sou aquele que te persegue, ser! Mas aquele que te pode condenar ao sofrimento eterno!
Ainda mais atônita, a milenar criatura sentiu como que se o sangue lhe fugisse das veias, ao contato gélido do hálito que emanava daquela voz metálica.
- Guarda-te to teu medo e salva-te do teu destino. Teus pedidos de redenção chegaram até mim. Se desejares verdadeiramente que teus pecados sejam perdoados e que tua vida encontre paz, sobe essas colinas e caminha até achares uma caverna sem fim. Lá encontrarás meu santuário de sombras. Edifica a Mim uma Ordem de Vingadores negros como a noite que cobre essas montanhas, e deixa que eles desencadeiem minha fúria contra aqueles que te cercavam em seu passado.
- Apressa-te que dentro em breve derramarei sobre estes que me desafiam toda a minha ira, a começar por esse pedaço de terra que chamas de lar. Apreça-te e salva-te.
Ao que se guarda nas histórias da Ordem, essas foram às últimas palavras da aparição, e o que a criatura de nome Galana fez foi realmente apressar-se. Valendo-se de seus poderes ela encontrou o lugar descrito e em menos de uma década ergueu a Cruine, seu deus e senhor, uma Ordem de Vingadores Negros que ela chamou de a Ordem da Noite Eterna. Depois disso pouco se sabe dessa criatura, rumores dão conta que cumprida sua tarefa ela tenha alcançado seu perdão e partido, enfim, para o reino de seu Senhor.
Alem da sede que fica na Cordilheira da Navalha a Ordem mantêm congregações em outros lugares de Tagmar. Estas respondem diretamente a sede da Ordem, mas gozam de relativa independência para a maior parte das suas ações, como por exemplo, a ordenação de novos membros. No entanto não se deve confundir as congregações da Ordem com os demais templos de Cruine. Estas congregações não são muitas e se encontram normalmente apenas nas capitais mais importantes de Tagmar, com um destaque especial para Saravossa, onde todas as ordens mantêm uma congregação.
Os membros, ao saírem em missão, recebem medalhões mágicos com o símbolo de Cruine imantados com magia, que permite ao usuário sentir a presença e a aproximação de criaturas malignas. Ao retornarem, os medalhões são devolvidos à Ordem. Caso um Vingador caia em combate e um medalhão seja perdido, a Ordem tentará reavê-lo de todas as formas possíveis e imagináveis.
Todas as armas são permitidas, mas existem duas que são obrigatórias de uso aos clérigos: As lanças abençoadas com um milagre que imobiliza os mortos vivos quando em contato com os mesmos, as chamadas “Grilhões de Cruine” e as espadas sagradas da Ordem, conhecidas como “Vingadoras Sagradas”, que são, de longe, as mais populares dentre os membros. Feitas com metal extraído das entranhas da própria cordilheira, adornadas com caveiras e inscritas com orações na língua dos mortos, essas espadas são itens magníficos. Sem dúvida, as Vingadoras pertencentes aos membros mais antigos são itens mágicos de grande poder, e, assim como os medalhões, essas são confeccionadas somente pela Ordem e caso caiam em mãos externas a Ordem tentará reavê-las a todo custo. Todo tipo de adereço militar ou Clerical pode ser utilizado.
Nunca, jamais, sobre quaisquer circunstâncias, revelarás os segredos de nossa Ordem: Esse voto é levado muito a sério dentre os Vingadores visto que sua manutenção é de vital importância para a sobrevivência da Ordem e para que ela consiga alcançar seu objetivo máximo que é a manutenção do ciclo. Por isso um Vingador nunca se deixará aprisionar, caso a batalha esteja perdida ele preferirá a morte a deixar os segredos da Ordem caírem nas mãos do inimigo.
Não farás guerras ou combates que não sejam para a manutenção do ciclo: Os Vingadores foram criados com um objetivo muito específico: eles são o braço armado de Cruine, não um exército de mercenários, ou de um país específico. Os Vingadores jamais tomariam o partido de um reino qualquer que seja ele, a não ser que o resultado da guerra tenha influência direta sobre o ciclo. Apesar de na história não constar à ocorrência desse fato, não é impossível que ele aconteça e seria no mínimo intrigante e assustador ver os Vingadores cavalgando sob a bandeira de um reino.
Perseguirás e destruirás todos aqueles que afrontarem o ciclo: O cerne da existência da Ordem. Os Vingadores Negros existem para extinguir, expurgar da existência todo e qualquer tipo de criatura que tenta ludibriar aquilo cujo mundo seu deus governa, tudo o que fere o ciclo vital da criação dos deuses. Essas criaturas podem ser desde simples mortos-vivos, até suas manifestações mais poderosas, como vampiros, cronoespectros, necroarcanos, etc... Este voto também inclui todo aquele ser que adora e serve aos seres infernais, inclusive os próprios demônios (os devotos de Cruine não suportam a idéia das almas serem levadas pelos demônios e não por seu deus).
Viverás somente para a Ordem e seus princípios: Para qualquer um que adentre as fileiras dos Vingadores a vida “mundana” está morta. Uma vez dentro dos corredores da Ordem o mundo externo deixa de existir, todas as suas aspirações anteriores devem deixar de existir completamente, talvez de todas as Ordens essa seja a mais xenófoba de todas, vivendo quase que em uma realidade à parte do resto do mundo.