Sorrio deste pensamento incoerente... ou não? Desde aquele dia fatídico quando eu vislumbrei este outro mundo, o mundo do lado negro do homem, um lugar de insanidades, incoerências e previsibilidade, que optei por admitir que piada de mau gosto era este mundo. Admiti que não ia mais fingir que a vida fazia sentido. Admiti que não seria igual a todas as pessoas. Desde aquele dia...
Aquele dia... minha mente teima em divagar e lá vou eu retornar ao passado, cavalgando minhas recordações... aprendi, como sacerdote de Plandis, que recordações são perigosas, traiçoeiras... elas, num momento, nos levam a um lugar cheio de prazeres, delícias, alegrias... e, num segundo depois, lhe tragam para a escuridão e o frio, trazendo a tona coisas que você gostaria de esquecer. As memórias podem ser vis, brutais, repulsivas...imprevisíveis. Eu gosto delas!
Aquele dia do meu renascimento neste mundo de sinais insondáveis, de símbolos misteriosos, de magia e terror, de presságios desconhecidos... de loucuras, foi, como direi...predestinação? Não, previsível demais. Minha mãe havia ficado doente, insana e paralítica numa cama. O casarão onde morávamos passou a ser o meu mundo, a minha vida, o meu futuro. Com o passar dos anos ele começou a me parecer mais vasto, mais real, mais “vivo”, que eu me sentia como um espírito assombrando seus corredores. Vagamente eu tentava me conscientizar de que algo melhor existia no mundo além daquelas melancólicas e frias paredes. Mas a casa teimava em reter-me ali... Minha mãe teimava em reter-me ali. Mas, então, não sei de onde, foi-me mostrado o caminho. Eu segui aonde ele me levava. Eu iria confrontar o que me prendia àquela vida monótona e previsível... eu iria penetrar sozinho na torre negra ... sem olhar para trás... e encarar o dragão que havia lá dentro. Eu só tinha um medo. De não ser forte o bastante para derrotá-lo. Mas eu fui, assim mesmo...
Talvez eu tenha feito a coisa errada, talvez a coisa certa... quem sabe? Esta parte é um borrão, imagens sem nexo. Recordo-me apenas de dizer: “Mãe, eu te amo!”. O corpo dela estendido lá embaixo, na soleira da porta do casarão, cheio de sangue, o mundo explodindo ao meu redor, sem ter nada em que me apoiar... nem orar eu podia, pois não tinha um deus (ou tinha?) é disto que me lembro. Tomado pelo pânico, eu fugi. Corri cegamente para longe daquele lugar... para minha liberdade. Tornara-me o matador do dragão. O viúvo da mãe... Eu me sentia vivo!
Nisto, vislumbro uma edificação por entre as névoas gélidas. Sua base firmemente presa no granito perene das montanhas. Seria o templo?. Caminho até lá, pensando no que já passara para chegar até aquele local. Aproximo-me do grande portão e bato fortemente no mesmo.
Ouço passos que se arrastam, aumentando de intensidade. Um baque surdo e um ruído de grossas correntes e polias sendo destravadas. O portão se abre lentamente...Um senhor de meia idade, envolto em um grande casaco branco e preto que lhe cobria todo o corpo, saiu da pequena abertura.
“Seja bem vindo, jovem acólito... Sua jornada chegou ao fim. Um novo mundo se abre para você. Bem vindo ao mundo da insanidade, da imprevisibilidade e da inconseqüência. Bem vindo à Ordem de Plandis!”.
Aspirei fortemente o ar. Havia conseguido... “Estou em casa” – murmurei.
O senhor parecia não ter me ouvido: “Sabe, não é preciso ser louco para se morar aqui...mas isso ajuda!”.
“Mas... eu não vim aqui para me encontrar e viver com gente louca” – Disse-lhe.
“Você não pode evitar isso, meu jovem. Todos nós aqui somos loucos... Eu sou louco, você é louco.”
Ele deu uma risadinha... começamos a entrar na construção. Os portões se fechavam para meu antigo mundo.
“Como tem tanta certeza de que sou louco?” – Indaguei-lhe.
“Deve ser” – Disse-me o senhor – “Ou não teria vindo aqui.”
O baque surdo do portão abafou meu último comentário: “Vou gostar deste lugar!”
Os homens santos de Plandis compreendem muito bem e acreditam piamente nessa filosofia, mas a maioria das pessoas comuns se assusta e simplesmente não as entende e passa a temer essas palavras estranhas e indaga-se sobre o estranho poder que esses homens e mulheres devem possuir para compreender o estranho deus chamado Plandis.
O culto a Plandis não é muito grande, talvez devido à natureza quase caótica e inconstante da divindade, mas isso não diminui seu poder. Existem muitos que rezam para ele, não com o intuito de adoração, mas para que o deus nunca os toque com a sua loucura, incoerência e inconseqüência. Esta talvez seja uma das grandes razões para que a Ordem de Plandis não tenha tantos sacerdotes quanto às demais.
A ordem não possui muitos escritos relacionados à sua origem (coisa muito previsível, afirmam) e o que se sabe sobre os primórdios de sua gênese vem de relatos orais oriundo do guia mais antigo (personagem central dos mesmos) e que são passados de geração em geração de sacerdotes. Segundo estes relatos, na época da guerra de Abadom contra a Seita, um elfo dourado, de nome Yalas, único ser desta raça a fazer parte da Guarda da Lança do exército abadrim, teve diversos, estranhos e repetidos sonhos com um sacerdote de meia-idade, que se identificava como sendo o próprio Plandis. Este sacerdote dizia que Yalas deveria levar um aviso aos reis de Abadom sobre uma conspiração que se engendrava para destruir o reino. Uma conspiração que culminaria durante uma grande celebração.
Durante várias semanas Yalas foi assolado por este enigmático sonho, mas sempre o ignorava, dizendo que, se provinha do deus da loucura, só poderia ser uma loucura... Então, no dia que ficou conhecido como “A Grande Traição” (1.287 D.C.), Yalas foi escalado para a guarda do salão real, onde o comandante supremo da frota imperial Abadrim apresentaria a cabeça do comandante da frota bankdi, numa grande celebração. Momentos antes do início das celebrações, altas horas da noite, ocorreu um pequeno tumulto do lado de fora do palácio real. Este incidente envolveu um homem de meia-idade, aparentemente louco, dizendo frases sem nexo e querendo entrar força, inclusive utilizando uma arma. Isto obrigou Yalas a intervir, nocautear e prendendo o homem. Yalas então levou-o para a prisão, distante alguns quilômetros do palácio, sob suspeita do mesmo ser um espião da Seita.
No interior da prisão, algumas horas depois, o homem recobrou a consciência e dizendo que precisava avisar o rei sobre “a conspiração”, avançou contra os guardas. Como que possuído de uma força sobrenatural, o lunático derrubou vários soldados, roubando a arma de um deles. Yalas não teve opção e feriu mortalmente o pobre e demente humano. Antes de morrer, o homem, em meio a delírios, disse ao elfo que ele era um sacerdote e que deveria cumprir a missão que Plandis lhe encarregara: de avisar o rei sobre a conspiração e a morte que se abateriam no palácio naquela noite, pois o encarregado anterior de fazê-lo ignorara o aviso. O elfo dourado lembrou-se imediatamente de seus sonhos. Tomado de um pânico sem precedentes, Yalas viajou o restante da madrugada até chegar à capital, onde viu seus temores sendo confirmados no amanhecer: O palácio real fora completa e misteriosamente destruído, não restando sequer as cinzas do mesmo. Todos os nobres e a família real estavam mortos. O elfo ficou fora de si, tomado de inúmeros remorsos. Quando veio a saber que o homem que matara era um antigo sacerdote do deus da loucura, sua sanidade se foi completamente. Perseguido por sentimentos de culpa, Yalas abandonou a Guarda da Lança. No dia seguinte, Plandis visitou-o novamente em sonho e disse-lhe que ele fora poupado, perdoado e convocado para erguer uma Ordem de sacerdotes que levassem a sua palavra a toda a Tagmar e que ele seria o seu oráculo. Em meio a delírios e alucinações Yalas rumou para o sul de Abadom, fugindo de si mesmo e do seu ato inconseqüente. Quando chegou ao local atual da sede da Ordem, ele já possuía muitos seguidores e juntos ergueram as fundações da edificação que se chamaria “O Templo dos Delírios”.
Para os membros da Ordem de Plandis não existe o desespero ou a impossibilidade, existe apenas o pouco se sujeitar à sorte ou o não se expor aos riscos e perigos.
Além do Templo dos Delírios existem poucas capelas dispersas pelo Mundo Conhecido, localizadas, freqüentemente, nas grandes capitais de Tagmar.
A Ordem pode ser ramificada em três categorias de atuação, mas todos os sacerdotes são portadores dos dons concedidos por Plandis, exercendo-os conforme a ocasião e propósitos divinos.
Os sacerdotes exercendo o dom da profecia vestem-se de grandes mantos com capuzes que encobrem seus rostos e seus membros.
Os Pesquisadores usam túnicas simples, comuns. Alguns sacerdotes mais excêntricos, costumam adornar-se com enfeites exóticos e extravagantes como medalhões, tiaras, braceletes e anéis, pouco relacionados à estética.
Os Guerreiros Perdidos envergam couraças parciais rústicas e sem detalhes elegantes (beleza? Para quê?), mas bem trabalhadas. Acompanha a armadura um escudo redondo, grande, adornado com o símbolo da ordem e um elmo fechado, também rústico e sem adornos. Eles cavalgam somente corcéis malhados de branco e preto, fortes e bem cuidados, apesar dos rigores climáticos do local onde se localiza a sede da Ordem. Segundo comenta-se pelo Mundo Conhecido, somente são suplantados pelas montarias dos paladinos de Crisagom.
Qualquer tipo de arma é permitida aos guerreiros perdidos. Aos sacerdotes mais valorosos e que sobrevivem às causas por eles empenhadas, é oferecido um broche de coloração acinzentada: A “Benção de Plandis”, que permite ao sacerdote aumentar o poder de suas magias através de sua vontade cega.
Nunca esmoreças ou perca as esperanças: Uma causa na qual o sacerdote da Ordem se empenha NUNCA pode ser renunciada. Se entrar em um combate, só sairá dele se estiver morto ou vitorioso. Um plano idealizado nunca pode ser desperdiçado. Ir até o fim em tudo que se empenhar. Neste caso, os sacerdotes da Ordem se tornam pessoas totalmente obsessivas.
As profecias de Plandis sempre se cumprem: Qualquer profecia que saia da boca de um membro da Ordem deve ser concretizada. Qualquer outro sacerdote da Ordem que venha a tomar conhecimento da profecia deve se empenhar ao máximo para que esta possa se realizar.
A loucura é uma benção e não uma maldição: Para os sacerdotes da Ordem às vezes é só a loucura que nos faz ser aquilo que somos. Às vezes é preciso demolir para reconstruir. Assim, todo e qualquer ato ou comportamento que fuja dos padrões previsíveis, coerentes e lógicos deste mundo “normal” é visto como uma benção de Plandis e deve ser entendido, respeitado, compartilhado e aceito como “normal”.
Apesar dos Guerreiros Perdidos serem o braço militar da ordem, eles não seguem padrões hierárquicos e costumam atuar isoladamente, quando muito em pares.
O sumo sacerdote da Ordem é conhecido como “O Grande Insano” ou também como “O Lorde Demente”.
“Eu, (nome do acólito), juro solenemente diante de meu deus e de meus confrades,
não ser lógico, não ser coerente,
não ter reflexão, não ser sensato,
não ser previsível, não ser equilibrado,
não ser ponderado, não ser responsável,
não ter bom senso, não ter julgamentos e não ser racional.
Eu sou e sempre serei... louco.”