O sacerdote sorriu: “Elas parecem adivinhar o que o senhor das plantações irá fazer” – murmurou.
Com um suspiro, ele levantou-se e começou a caminhar por entre as casas da vila. A reconstrução havia começado. A destruição causada pelo ataque dos bárbaros no dia anterior fora considerável, mas nada que estes bravos aldeões não pudessem remediar. Pelo menos as plantações puderam ser poupadas.
Ele cruzou a rua e parou defronte ao único edifício intacto na vila: o templo de Sevides, seu senhor. Ele fora salvo do saque pelas vidas de alguns bravos jovens, que se sacrificaram, defendendo-o, dando ao grupo de Haoz o tempo necessário para chegar e intervir, mudando o destino da batalha.
Vidas que seriam honradas no dia de hoje...uma delas muito especial para o sacerdote.
Ele continuou a caminhar por entre os casebres semidestruídos, cumprimentando um e outro aldeão. Seu destino estava logo ali à frente, alguns metros fora do perímetro da vila.
Várias covas recepcionaram, emudecidas, a chegada do homem santo. Ele dirigiu-se para a direita, na direção das mais recentes. Algum aldeão piedoso havia depositado flores nos montes de terra...uma última homenagem para aqueles que agora estavam no reino de Cruine.
Haoz aproximou-se especificamente da última, onde um nome se encontrava gravado numa plaquinha de madeira: Ruaz.
Ele se ajoelhou defronte a mesma...e começou seu monólogo:
“Eu vim me despedir. Estou de partida. Nosso grupo precisa voltar para a sede de nossa ordem. Mas antes de ir quero que saibas que o senhor das plantações comoveu-se com o seu sacrifício e o de seus confrades, quando defenderam tão bravamente o seu santuário. Graças a vocês, as plantações de sua aldeia produzirão o dobro do normal. Graças a vocês, os seus amigos e vizinhos não padecerão de enfermidades por algum tempo e graças ao seu sacrifício, a semente que plantaste no ventre de Hyane, sua esposa, nascerá e crescerá saudável, assim como toda aquela que for conceber a partir deste momento. A descendência da família está preservada. Eu te prometo que quando a criança crescer, se eu ainda estiver entre os vivos, saberá de minha boca quem foi o seu pai, e ela recitará os nomes de sua linhagem quando for apresentada ao conselho de anciãos. Esta graça divina será concedida porque você e seus amigos não fugiram quando todos os outros abandonaram o senhor das plantações. Orgulho-me de ser o portador e o realizador deste milagre, em nome de Sevides “.
O sacerdote levantou-se e acenou para a lápide dizendo: “Ainda voltaremos a nos encontrar... um dia! Adeus...meu filho!”
Virou-se. Uma lágrima... uma única, escorreu de sua face enrugada e queimada pelo sol. Ele ergueu os braços, olhou para os céus e começou a orar...
No início da era dos homens muito, muito antes das guerras, dos reinos e das grandes capitais, as pessoas começaram lentamente a deixar a vida nômade e a se aglomerarem em pequenas comunidades que logo se tornaram comunidades rurais, com isso um dos primeiros grandes ofícios que os povos aprenderam foi efetivamente o do plantio e da colheita. A partir desse momento, então, Sevides (com maior importância) e seus filhos, Liris e Quiris, entraram na vida dessas pessoas simples para nunca mais sair, pois com a dependência das práticas agrícolas veio a evidente necessidade de pedir e receber as bênçãos do alto. Com isso os primeiros sacerdotes a surgirem nas terras do mundo conhecido muito provavelmente tenham sido os sacerdotes da tríade agrária. Esses passaram a andar entre aos camponeses, vila após vila ouvindo, aconselhando, abençoando os plantios e agradecendo as colheitas. Esses homens santos, saídos dessas humildes famílias de camponeses, como não podia ser diferente, eram também pessoas simples e humildes que logo ganharam a simpatia, a admiração e o coração não só dos fiéis, mas também dos próprios deuses que passaram a se orgulhar muito do bom serviço prodigalizado por seus representantes. Muitas vilas cresceram e se tornaram grandes cidades; muitos humildes camponeses tornaram-se, através das gerações, grandes donos de terras. E assim, como aumentava as práticas agrícolas, também aumentava a fé e a necessidade de representantes dessa. Fatalmente as melhores áreas para o plantio foram sendo identificadas e logo estas se tornaram o maior foco de influência desses sacerdotes e conseqüentemente da fé.
Muito antes de o reino Eredra vir efetivamente a se chamar Eredra e até mesmo ser um reino, o mais velho dentre os sacerdotes de Sevides, talvez por inspiração divina, chamou para si a responsabilidade de fundar uma Ordem em homenagem a seu deus; seu nome era Sorvares. Com toda humildade que esses clérigos sempre demonstraram, eles arregaçaram as mangas e puseram-se a trabalhar. Contando sempre com a maciça colaboração dos camponeses, que viviam nas vilas ao redor, e com muito suor e boa vontade, em pouco mais de dez anos, Sorvares, com a ajuda dos seus e de uns poucos outros sacerdotes devotos de Liris e Quiris já havia erguido uma estrutura digna do deus Sevides e seus filhos: O Templo da fartura.
Construído basicamente em pedras e blocos de barro cozido, com acabamentos em madeira, o Templo da Fartura, a sede da Ordem dos Filhos da Terra, é uma obra a se admirar, não pelo esplendor, mas pela rusticidade e resistência. Para aqueles afeitos a esse tipo de observação, como anões, por exemplo, poderão facilmente notar que o estilo arquitetônico utilizado como base é, há muito, perdido nas areias do tempo. Muito da parte interna, e também da externa mais próxima da Ordem, é dedicada ao plantio de culturas por parte de seus acólitos e sacerdotes, tanto para o aprendizado quanto para a subsistência da própria Ordem. Em uma época de safra a visão da Ordem em meio àquele conjunto de plantações é um espetáculo à parte. Os Templos de Sevides, Liris e Quiris, por sua vez estão espalhados por toda a Tagmar e seus sacerdotes talvez sejam os mais comuns e mais fáceis de serem encontrados principalmente em se tratando de áreas rurais, e muito provavelmente estes também sejam, de longe, os sacerdotes mais numerosos.
A alegoria do símbolo da Ordem com as divindades não poderia ser mais claro. Estes fiéis reverenciam a fertilidade da natureza, a semeadura e a colheita, acreditando realmente que seus três deuses regem estes aspectos do panteão divino.
A humildade e a resignação talvez sejam as virtudes mais fortes e visíveis dos membros dessa Ordem. Talvez, para muitos Sumo Sacerdotes de Tagmar, a visão do líder espiritual da Ordem dos Filhos da Terra seja ,no mínimo, degradante para o cargo que ele ocupa. Na verdade, de todos os líderes máximos de Ordens existentes no mundo o Sumo Sacerdote da Ordem dos Filhos da Terra talvez seja o mais amigável e acessível de todos.
A despeito dos temperamentos individuais de cada um, esses sacerdotes são pessoas bem centradas nesses valores (humildade, simplicidade e resignação), o que tem feito com que a Ordem tenha sobrevivido aos séculos.
Um fator curioso, que tem ocorrido nos últimos tempos, tem sido o incremento de um antigo e, até então, discreto clero nascido dentro do seio da Ordem dos Filhos da Terra: o clero de Liris e Quiris. Estes ainda estão em número bem pequeno e necessitam do amparo e proteção do que eles chamam de o Grande Pai, mas seu número tem, aos poucos, aumentado, principalmente junto às populações ribeirinhas dos rios de mesmos nomes. No momento, a grande missão desses sacerdotes, é, sem dúvida, a disseminação dos dogmas de seus deuses e a fundação de uma Ordem própria (inclusive tendo conseguido as ordenações de dois sumos-sacerdotes de suas divindades). Entretanto, esta tem se mostrado uma empresa ainda difícil.
A Ordem dos Filhos da Terra possui duas subdivisões mais ou menos definidas, respeitadas as particularidades doutrinárias de cada sacerdote e a peculiaridade de cada situação em que se exige a intervenção do clérigo:
Entretanto, quando atuam na função de ceifadores, os sacerdotes da Ordem ostentam couraças parciais bem trabalhadas, mas não tão rebuscadas e cheias de adereços, também na coloração marrom terroso. Envergam grandes escudos redondos, de metal e madeira, com o símbolo da Ordem gravado a ferro nos mesmos e usam elmos de metal, sem enfeites, também nas cores da Ordem. As armas preferidas dos sacerdotes são as espadas curvas (muito similares às cimitarras e foices).
Reconhecerás todos os Filhos da Terra como seus legítimos irmãos: Esse voto é quase que desnecessário para estes que devido ao seu caráter já agem dessa forma naturalmente considerando a todos os seus irmãos de fé como verdadeiros irmãos e quase sempre estes também verão seus fiéis senão como irmãos, certamente como filhos e filhas.
Dará de comer aos que tem fome e de beber aos que tem sede: A miséria é repugnada pelos filhos da terra que jamais deixarão qualquer um morrer de fome ou sede, não raro a Ordem acolhe os miseráveis e os leva para as lavouras afim de que esses aprendam o ofício e nunca mais passem necessidade.
Guardar-te-ás do acumulo irracional de riquezas: Para esses clérigos o dinheiro em si não representa quase nada, ninguém come ou bebe ouro e prata e na verdade não existe a menor necessidade de se acumular riquezas para que se viva bem. A ganância desmedida natural da raça dos homens parece realmente não afetar esses fiéis.
Aparentemente não há qualquer diferenciação hierárquica ou marca que os distingam como membros da Ordem além de suas vestes. Vale lembrar que a Ordem não é pobre, seus caixas possuem tanto dinheiro quanto seja necessário para sua confortável manutenção. O mais importante, que é o alimento, a Ordem possui tanto em fartura quanto em variedade, distribuindo-os aos mais necessitados em épocas de grandes secas, enchentes ou catástrofes.A Ordem possui, inclusive, seus próprios vinhedos que são de ótima qualidade. O fato é que, o acúmulo desmedido de riquezas não é o foco desses devotos, e a Ordem, ao contrário da maioria das outras Ordens, não é nada ostensiva.
O Sumo-Sacerdote da Ordem dos Filhos da Terra costuma ser chamado de "O Grande Lavrador".
Columbano já está à frente da Ordem a mais de 30 anos e é quase uma lenda viva sendo venerado por todos, inclusive por seus próprios sacerdotes (em alguns casos até mesmo os que são devotos de Liris e Quiris) a quem ele faz questão de chamar de filhos. Columbano é uma pessoa doce e calma que parece ter alcançado uma “paciência élfica” ao longo de sua vida. Apesar de sua posição de líder, a sua humildade parece só ter aumentado com o passar dos anos e ele mesmo diz que quando se é velho aprende-se a dar o devido valor para cada coisa. Apesar de sua idade já avançada para os padrões humanos o idoso sumo-sacerdote vende saúde e seu grande carisma e adoração por parte de todos destrói qualquer especulação de sucessão.
Devem ser mencionados, além de Columbano, os demais sumos-sacerdotes componentes do triunvirato da Ordem dos Filhos da Terra: Ariberto Zugoz, sumo-sacerdote de Quiris e Imiliatânis Therudrim, sumo-sacerdotisa de Líris, ambos de Eredra.